domingo, 27 de dezembro de 2015

Ao fundo

O legado de deixar uma herança
Suplanta a vontade de presentear-me com um futuro
Incomoda, inquieta e provoca a insónia
Do incauto sonhador de pequenos passos

As pernas que me movem sujam-se com remendos
De pedaços de vida - morta, lutadora mas esquecida

Os bocados, os deixo; estendei a mão, aí estão!

Fragmentos

É mais uma peça que se encaixa no horizonte
Que ao fundo se desfaz e reconstrói em tempos infinitesimais

É mais um, o que nunca esqueço,
Que me assola e redescubro

Vagueio pelo tempo, sem saber que é também espaço
O que ocupo é o que me limita, creio
Mas sei que o que me abraça é só o que perdura

As escolhas que fazes

Se há pedaços de fio que queimam ao ver,
São os que imagino que incendeies sem temer
Com mestria julgas a tua própria indecisão
Sem saber nunca se essa é a minha opinião

Irritas e afagas com as mesmas poucas palavras que proferes
Entranhas cérebro dentro nada a não ser o que queres
Mas será que desejas ou apenas cobiças?
É que apenas vejo inveja, medo e as minhas mãos submissas

Escolhes e fazes as escolhas que fazes

Junção

Pequenas e obtusas
As operações sucedem-se na frente escura do sono
O sonho bate à parte, mas não entra;
Soma-se uma pedra a um cordel
E divide-se o novelo do leito

Venha, a multiplicação
Dos dias e das magias
Subtrairei pela bondade se por aí houver vontade

domingo, 30 de agosto de 2015

Nota pequena

À margem do texto quantitativamente esfuziante
Mas sem teor nem conteúdo
Sobra, amorfa, a ortografia

Eis que surge a nota mínima
De trocas sem valor nem ardor
Canto de folha, pedaço de papel
Conténs o mundo, destróis babel

Assim falas tu

A raiz é a mesma mas sobra espaço
Para no pouco para e no menos pouco
Se sentir a distância da infância
Foram as mesmas e já não são
Ganharam-se avisos de fortes não
Estamos perto e longe
(quem sabe em diferentes melancolias)
Com e sem barreiras
(porventura em distintas categorias)

Quando digo eu que tu falas
Falo que não expressas nem confias
Cai, vem! Eu dobro; tu soltas-te?

Nunca contente, jamais feliz

O pendor não pára de aumentar
Pela insegurança que evapora do teu ser
A falta de apoio brilha com estrondo
E a incerteza sublinha letras tortas

Se escreves, não lês
Se páras, não vês
Se ouves, não escutas
Se vives, não lutas

Não é tristeza nem frieza
São ondas de oceano revolto
Que te apanham desprevenida embora consciente
Do que és e já não queres ser
Sem nunca vir a saber o que é viver

Retiro de diferenças

A subtileza da paz no mundo interior de cada um
Nasce no rio que brota da montanha inigualavelmente alta
É ténue e quase imperceptível, por vezes
Dura e áspera no fechar da frente branca e luzidia

São pães e rosas e milagres
Que sustentam o tabuleiro da ponte
A que criamos para se atravessar

Se a realidade revolver em tômbola solta mental

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Pássaros

Como animais de jardim zoológico, cantam
Sendo livres, também exploram
Conseguindo voar, tem o seu olhar
Não tem vontade nem problema em esperar

Bichos tristes e seres de alegria!

Ganhar a vida ao mundo

No fulgor do sucesso
Não há tempo para parar a rotação
Acompanha-se com um arfar exasperante
E pontualmente crepita-se uma pequena alegria

As lutas são voltas
E cada volta é um empurrão
Giramos connosco e com o mundo
A cada dia, a cada lua azul, a cada translação

Estranhos à mente

Imagens lúcidas no comboio bamboleante
Avistam-se à minha frente como fotografias de arrasto

Será que já conhecia quem ali está? 
Há mais de 30 segundos ou
É alguém que encaixei no fundo?
(de uma boneca russa de suaves memórias)

Saboreio a esquisita comida cerebral
E deixo-me levar pela meditação e pelo desenroscar de parafusos
Mesmo que não fale e apenas reconheça
Desperto-me para a possibilidade
De o rosto ou o corpo ser tão familiar como inesperado

Início

Sendo um em muitos, sou nenhum em todos
Partícula no conjunto da imensidão
Surgi e brotei do vazio, juntando-me à massa de vidas

Nascer é um milagre ateu
Em que a probabilidade - ínfima - joga aos dados
E o azul que sai desafia o vermelho

O ar consumido desperta a voz escondida
E solta-se o grito, sussurrando ao vento
Vem, leva-me para o futuro

domingo, 12 de julho de 2015

Às paredes me peço

Por nós, os vesgos, quem sois?
Cada um de vós abusa da própria boa vontade
E distribui migalhas suculentas

São pequenos pedaços de ternura que afagam o ego
(embora nunca iludam o cínico ou afugentem o estóico)
São pontos nunca sem nó que caracterizam a amizade leal

Vejo, abraço e recebo
A cada parede, de tijolo ou pedra, não peço mais
Do que me dá, deu e quer dar

Peço quem sou, a mim, por vós

Rejeição paramétrica

Ponto a ponto de um conjunto de nós
Procuras o que não sabes ser inútil e apenas cardinal
Com símbolos pujantes e escritos quase ao acaso
(na tua consciência?)
Vacilas entre A e B quando não há nenhum conjunto sem ser o vazio

São parâmetros, rapaz.
Um dia vais percebê-los a todos;
Podes descartá-los ou aceitar com resignação
Quem sabe até te vanglorias de ti com eles!

E logo de seguida
(talvez meia hora depois)
Já os esqueceste na letargia tecnológica

domingo, 19 de abril de 2015

Série confusa

Variância peripécia trambolhão
Probabilidade eficácia análise
Esperança minudência indeterminação

Crença ciência infinidade
Vazio equação hipótese
Atenção descuido observabilidade

Demonstração zero limite
Tangência normal manipulação

Confiança ao vento

Numa brisa desesperada sopra a solidão
A inveja segue, afoita, do passado que não é meu
Perde-se a consciência num desmaio desnecessário
Pelo que não se é e pelo que não se foi

E se há momentos em que a luz aparece, tímida
São fugazes, efémeros e assustadores
Pois sopra o vento na desconfiança e leva os momentos perdidos

domingo, 29 de março de 2015

Expectativa

Pode-se ou não se pode esperar pelo se
Não há meio termo na esperança fútil em que nos banhamos
Constroem-se apenas castelos de cartas de areia que vemos e derrubamos

E quando o quase assalta, ou se tenta ou se desiste
Se esperávamos o bom/mau e vimos o mau/bom
Há a luta interna de cada um
A gestão da preferência
O pendor pela inutilmente alta
Expectativa

Luz amarelada

Almas perdidas no meio do fumo
Das que existem num corpo ou fluem numa mente
Não as sinto - nem nelas me revejo - por não fazer parte de tal conspiração

Mesmo assim e assim mesmo, sou e reconheço-me no mesmo ambiente
De sabor variável e balas disparadas do ar
Que perfuram lentamente o crânio dançante

O futuro está presente e o passado é agora
Num momento só em que não há uma bengala dourada
Sobra só o torpor inacreditável dos raios catódicos

Não sei se vou por essa rua sem pensar duas vezes
Mas penso nada enquanto faço de mim boneco típico
De uma cidade que sinto tão minha e carismática como cinzenta

Espero que não percebas; não quero, no entanto, subtilezas!
Preciso de mim sem mim como agora, assim
No meio de uma sala escura de luz amarela

E se há sacanas dessa ou doutra - qualquer - cor, que venham
Invadam sem piedade o espaço enevoado
Pois se vêm sacanas, também se verão anjos

Do rebuliço que quero saber se quero ou se pelo menos sei que posso
Quando o tenho ou não tenho pelo não ou pelo inércia
Sinto falta e deambulo pelo quotidiano tépido

domingo, 1 de março de 2015

Felicidade transitiva

Operação momentânea de alegria ou dor
Seja pela linha temporal ou pelo acaso espacial
O éter irreal que invade o sonho é nosso
Por contágio positivo ou antítese espiritual

Palavras de veneno

Dito o triste com ironia
Sobe para cima o cínico com alegria
Da janela a mensagem é podre, vã e vil
Tão sincera e simples como dolorosa

A seiva que escorre do discurso
É tão pobre quando o rol é estéril
Ou rica quando mel goteja da língua ondulante

O veneno, esse,
Seja bom ou mau
Com ou sem antídoto
Está sempre presente

Vista ligeiramente diferente

Vê como vejo: consegues?
Duvido e acerto na dificuldade
Percebo uma fracção de ti
Deixo de lado uma parte tão clara como escura

Quero saber mais, sim;
Mas estranho-me por vezes
A volta que dou e que me é cara
Ilumina de relance apenas

E tu, quando vês, procuras?
Não sei se sim, se alguma vez ou porventura
Mas sei que não vemos o que somos a não ser de esguelha
E que sabes que é confuso o futuro que procuro encontrar

domingo, 18 de janeiro de 2015

Soltar

Laços presos em forma de país recôndito
Formam-se ao longo de dias
(quer soalheiros quer chuvosos)
Somam-se a mim de modo desigual
Juntam-se ao mundo sem qualquer visibilidade

As pernas avançam quando arrastadas
Pela rede inexplicável de forças aos pares
Empurram o corpo, que balança
Pela estrada estrelada, feliz

No início, no meio e no fim
O que está preso em mim respira
Soltando-se no éter de ar frio